A reforma tributária é uma reivindicação antiga de diversos setores da economia brasileira. Isso porque há muita reclamação sobre disparidades e distorções na forma como são cobrados os impostos pagos pelo contribuinte brasileiro.
Na Câmara dos Deputados, estão em discussão algumas propostas de emenda à Constituição (PECs) que têm o propósito modificar as normas de tributação. Três delas (PECs 45/19, 110/19 e 7/20) foram objeto de debate nos últimos três anos.
Em declarações recentes, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o governo quer votar no segundo semestre a proposta de reforma tributária voltada sobre a renda. Já a parte centrada nos impactos sobre o consumo deve ser votada no primeiro semestre.
O problema é que, nesse debate, alterações em cobranças podem beneficiar alguns setores e prejudicar outros. O mais recente exemplo é o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cobrado em todo o país exceto na Zona Franca de Manaus.
Setores da indústria nacional querem o fim do imposto, alegando que isso aumentaria a capacidade de investimento do setor. No entanto, isso retiraria a competitividade das empresas do Polo Industrial de Manaus, o que causaria a saída delas e o colapso da economia local.
Mas afinal, o que há de polêmica e o que há de mito nessa discussão? É imprescindível o fim do IPI ou ele é compatível com uma boa reforma tributária? Pensando nisso, o Vocativo ouviu especialistas que apontaram possíveis soluções.
Os caminhos e obstáculos da reforma
A questão do IPI está dentro da reforma dos tributos sobre o consumo. Existem duas propostas, as PECs 45 e 110 que tratam do tema. Elas propõem a unificação dos tributos sobre o consumo, criando o IVA (Imposto sobre Valor Adicionado), isto é um imposto único sobre consumo de bens e serviços.
“A discussão da reforma tributária em si é válida, mas no momento é difícil avaliar como ela ficará ou mesmo se será implementada. Não se sabe se o governo Lula retomará uma das duas propostas, que diferem muito pouco entre si nos princípios, mas o secretário especial para o assunto no Ministério da Fazenda é Bernardo Appy um defensor da PEC 45”, afirma Fabiano Dalto, Professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Segundo o economista, esse tipo de proposta – imposto único sobre consumo de bens e serviços – tem esbarrado tanto na resistência de setores subnacionais cujas receitas dependem de impostos como o IPI, como de setores de oferta de serviços (cujas taxas tributárias aumentariam com o IVA), além, é claro dos representantes da Zona Franca de Manaus, que seriam prejudicados com a eliminação do IPI na medida que perderiam essa vantagem tributária (produtos da ZFM não pagam IPI).
O fim IPI é imprescindível?
É muito comum ver representantes do setor industrial defendendo na mídia o fim do imposto como interesse nacional. Mas isso não é consenso entre os especialistas. “Certamente, há como fazer uma reforma tributária preservando o IPI. Entretanto, deveria haver uma mudança na filosofia em relação às propostas já apresentadas (PECs 45 e 110) e buscar outros princípios tributários do que a mera simplificação”, orienta Fabiano Dalto.
Além da simplificação onde for possível, Dalto defende considerar questões distributivas (regionais e entre pobres e ricos) e de política industrial e socio-ambiental envolvidas na tributação. “Por exemplo, o imposto único sobre consumo reforçaria a indústria no centro-sul em detrimento de regiões menos industrializadas”, alerta.
“Precisamos primeiro entender o que é a reforma tributária. Hoje existe uma gama de impostos, taxas e contribuições que as empresas recolhem para funções específicas ou diversas dentro do funcionalismo público que inclui a prestação de serviços básicos, como saúde, educação, segurança”, afirma Saulo Maciel – Industriário, especialista em modelos de negócios no setor.
“Ocorre que, o modelo ZFM foi desenhado sobre o atual regime tributário, e a mudança desse regime sem se atentar para o detalhe do modelo inviabilizaria as operações da Zona franca de Manaus, por isso, o debate em direção a uma construção para o atendimento constitucional à ZFM se faz importante”, opina Maciel.
Competitividade, não importa como
A primeira coisa a ser entendida é que a Zona Franca de Manaus não é só a coluna vertebral da economia do Amazonas, como também garantida pela Constituição. Ou seja, afetar o seu desempenho, em tese, é ilegal. Mas vale lembrar que o mais importante é que ela se mantenha competitiva.
“O nome do jogo é competitividade, diferencial competitivo. Hoje o IPI é um desses mecanismos. Mas veja que há Zonas Francas ao redor do mundo com os mais diferentes mecanismos. Ou seja, o objetivo é ter esse diferencial competitivo. Com ou sem IPI”, explica Thomaz Nogueira, Consultor tributário e ex-titular da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
Caso a proposta avance, Thomaz sugere o caminho do diálogo para manter essa competitividade, ainda que sem o IPI. “Não é inteligente ser contra a extinção do IPI. Não podemos admitir que isso se dê de forma unilateral, como quis Bolsonaro/Paulo Guedes. Agora, se no bojo de uma discussão de construção de Reforma Tributária se propõe a extinção, e isso faz sentido para o resto do país, não devemos nos opor, mas sim checar perguntar, testar as alternativas que preservem aquele diferencial”, sugere Nogueira.
O ex-superintendente da Suframa lembra ainda que outras mudanças na economia ainda podem acontecer e influenciar diretamente tanto na Reforma quanto no futuro da Zona Franca. “A discussão tem se dado dentro de um quadro que pode não existir no futuro. Nossa obrigação é interagir para assegurar as alternativas corretas”, alerta.
Fonte: Vocativo.com