O licenciamento ambiental é foco de preocupações e cuidados para a sociedade civil, mas ainda dá muita dor de cabeça para o setor privado. O processo compreende três etapas: licença prévia, licença de instalação e licença de operação. A gradação sinaliza preocupação governamental de minimizar externalidades negativas ao meio ambiente, em uma burocracia necessária, do ponto de vista da racionalidade do Estado. A questão levantada por especialistas e atores interessados nas obras, contudo, é que o tempo demandado para cada uma acaba sendo excessivo e afugenta o capital.
O exemplo local mais óbvio é a BR-319 (Manaus – Porto Velho), travada por ziguezague jurídico e político há quase três décadas. Três meses após ser produzido pelo Grupo de Trabalho da BR-319, e entregue ao Ministério dos Transportes, onde passaria por alterações, o relatório do GT continua sem ser divulgado. O Dnit informa que ainda não recebeu o documento, que traria condicionantes ambientais e prazos para as obras. Os trabalhos tiveram colaboração do Ibama, Funai, ICMBio, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia).
Outro exemplo didático vem da extração do potássio, matéria-prima para fertilizantes, que pode ter encontrado ou não o seu final feliz. Em abril, após 15 anos de idas e vindas, a empresa Potássio Brasil, conseguiu a primeira licença ambiental para explorar uma mina de silvinita em Autazes, com investimento de US$ 2,5 bilhões. Em contrapartida, matéria da Folha de São Paulo aponta que a iniciativa deve gerar 78 milhões de metros cúbicos de rejeitos, quantidade é 5,5 vezes maior do que a despejada no rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), em 2019. Em nota, a empresa afirmou que não utilizará barragens e que todo o resíduo da produção será empilhado a seco.
Texto postado no hub de comunicação Brasil 61 (https://brasil61.com) informa que a burocracia enfrentada para se obter uma licença ambiental no país é um dos temas mais discutidos em torno da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021). Especialistas e parlamentares avaliam que a demora para obter o licenciamento atrasa investimentos, e o desenvolvimento econômico e social das cidades. Segundo dados do Painel do Licenciamento Ambiental no Brasil, da empresa de consultoria WayCarbon, com base em informações do Ministério do Meio Ambiente, secretarias estaduais e Ibama, a média brasileira para obtenção de uma licença ambiental é de 208 dias.
“Capital afugentado”
Indagado a respeito de eventuais padrões e pontos fora da curva em torno do tema, o geólogo, consultor ambiental, e ex-articulista do Jornal do Commercio, Jorge Garcez, observa que essa dinâmica é diferente caso a caso, dado que o licenciamento ambiental pode ocorrer nas três esferas jurisdicionais: federal, a estadual e a municipal. “Na esfera federal, os processos são aqueles em que a União tem a prevalência da exclusividade sobre o objeto do licenciamento, sempre lembrando que a “atividade” que se deseja licenciar é o verdadeiro alvo”, relatou.
Nesse sentido, prossegue Garcez, entende-se que a atividade em questão é composta de um conjunto de elementos, que se convertem em requisitos susceptíveis de exigências legais, por parte do órgão de meio ambiente competente, para tratar da matéria. “Os desdobramentos em face dos requisitos exigíveis, com base nas legislações em vigência para determinado processo podem ser simples, como também, extremamente complexos, para fins de análises ambientais dos técnicos envolvidos em cada caso”, explicou.
O geólogo ressalta que o tempo a ser gasto para a consolidação de tais análises é que determinará, ao empreendedor ou à pessoa física, o tempo necessário para a obtenção da tão desejada Licença de Operação. “Esse é o documento final que enquadra uma determinada atividade e a considera dentro das normas jurídico-legais, para que seja colocada em prática a sua operacionalidade. Em média, no Amazonas, a obtenção de uma Licença de Operação pode consumir de seis meses a três anos para ser liberada a quem a requereu junto ao órgão estadual de controle ambiental”, informou.
O consultor ambiental considera que esse processo poderia ser mais célere, ainda mais levando em conta “baixa capacidade técnica” dos órgãos de controle. “O ideal seria que as agendas ambientalista e empresarial se harmonizassem, para se encontrar um ponto de equilíbrio e destravar os processos, que estão demorados. As empresas já têm um planejamento e não pode esperar, sob o risco de o capital sair do mercado. Isso enfraquece a economia brasileira, porque esse capital é prioritariamente externo e traz tecnologia para o país. Essa é regra de mercado”, frisou.
Mudanças climáticas
O também geólogo, analista ambiental e articulista do Jornal do Commercio, Daniel Nava, aborda a questão sob outro ângulo. Ele observa que a pauta ambiental vem retomando foco e importância junto à opinião pública brasileira – e ganhando ainda mais atenção do público mundial. Conforme o especialista, que também foi secretário estadual de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos, e superintendente da CPRM (Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), essa recuperação de foco se deve aos crescentes impactos das mudanças climáticas, manifestadas em tragédias como a do Rio Grande do Sul.
“Isso parece nos ensinar muito. O retorno do país à pauta ambiental é um Norte, mas os estragos do processo de desregulamentação do sistema ambiental foram enormes e se refletem nos estados federativos. Por outro lado, não temos concurso para o Ipaam [Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas], desde 2008”, destacou.
O analista ambiental ressalta que, para que o processo funcione a contento, a burocracia deve vir acompanhada por governança efetiva e transparência. “Interessante é que, quando se tem transparência e política ambiental séria, o licenciamento de obras estruturantes, como o gasoduto Coari Manaus [em 2009], saem. Sem o fortalecimento da governança socioambiental em nosso território, grandes projetos, como uma mina, uma estrada, estão fadados ao fracasso, mesmo tendo objetivos nobres”, alertou.
Nava também recomenda todo o cuidado com as obras de revitalização da BR-319, embora sinalize que essa novela já durou demais. “A Amazônia não se sustenta com enclaves econômicos. Se não construirmos uma avaliação ambiental estratégica para a rodovia, compondo uma visão de estrada-parque, dentro de um programa de desenvolvimento sustentável para a região, poderemos reproduzir vetores de desmatamentos e genocídio de populações indígenas como vemos nas estradas da Amazônia. Ou o ocorrido com os os waimiri atroari, quando se construiu a BR-174 [Manaus – Boa Vista]”, finalizou.