Por Marco Dassori
A janela de oportunidade para minimizar os impactos de uma nova vazante histórica em 2024 está se fechando. Cientistas dizem que é cedo para dimensionar a extensão do fenômeno, mas apontam que a descida dos rios deve começar mais cedo. Embora não saibam precisar uma data, aconselham que o Polo Industrial de Manaus trabalhe com uma margem de 30 dias de antecipação a um novo estrangulamento logístico, comparada ao ano passado. Em 2023, Manaus deixou de receber navios na primeira quinzena de outubro. Lideranças do PIM recomendam um prazo maior, de 60 dias, o que traria a data limite para agosto.
Em contrapartida, a licitação para a dragagem dos pontos críticos das hidrovias do Amazonas, como o rio Madeira e a região do Tabocal (Itacoatiara), era esperado para este mês, mas ainda não foi lançada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes. A expectativa do Centro da Indústria do Estado do Amazonas é que isso ocorre em tempo hábil para que o contrato seja fechado em julho e os trabalhos comecem no mês seguinte – que já pode contabilizar níveis alarmantes na cota de água. As considerações em torno do entrave foram debatidas no X Fórum de Logística do Cieam, realizado na sede do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, na tarde desta terça (28).
Para o setor produtivo do Amazonas, a constatação é que, pelo menos do ponto de vista dos custos logísticos, a vazante já começou. Sem citar números, um dos empresários participantes mencionou que os preços dos fretes já estão mais elevados, quando comparados ao patamar de um ano atrás. Os reajustes ocorrem em paralelo com a pressão exercida pela antecipação das compras da indústria e, em menor grau, também do comércio. Em paralelo, o PIM teme que o plano B oferecido pelo Porto Chibatão em Itacoatiara, assim como a sinalização de uma oferta semelhante pela empresa SuperTerminais, gere custos adicionais às empresas.
“Questionamentos e impugnações”
O presidente executivo do Cieam, Lúcio Flávio Morais de Oliveira, diz que o PIM espera que a licitação para a dragagem saia nas próximas semanas. “Consideramos que o contrato seja fechado até julho, para iniciarmos os serviços a partir de agosto, se tudo ocorrer dentro da normalidade. A gente sabe que o processo licitatório está sujeito a vários cenários, que incluem questionamentos públicos ou impugnações”, ponderou, acrescentando que o assunto deve ser novamente tratado com o diretor de Infraestrutura Aquaviária do Dnit, Erick Moura de Medeiros, na próxima quinta (6), por ocasião do evento “Diálogos Amazônicos”, realizado na sede da FGV em Brasília.
O coordenador da Comissão Cieam de Logística, Augusto Cesar Rocha Barreto, destacou à reportagem do Jornal do Commercio que o andamento da questão das dragagens ainda está dentro do prazo, mas confirma que o questionamento será levado novamente ao representante do Dnit, na próxima semana. “Está em cima, mas até ok”, frisou. “Antes de parar [o transporte fluvial] há uma redução do volume das embarcações, ocorrendo atrasos de cargas, naturalmente. Por isso, a recomendação é de antecipação dos 30 dias [no planejamento logístico]. É o olhar de quem planeja. Sou até mais conservador e recomendo 60 dias”, emendou.
Embora não disponha de estatísticas a respeito, Augusto Cesar Rocha Barreto estima que a indústria em peso está antecipando compras. E cita uma sugestão apresentada por um dos especialistas que falou no evento. “Ninguém diz que está esperando. Precisamos de obras alternativas para o problema. O professor Naziano Pantoja Filizola Junior [do departamento de Geociências da Ufam] sugeriu barragens contendo os sedimentos antes dos pontos críticos, por exemplo. A única alternativa emergencial é a dragagem, mas precisamos começar a caminhar para a construção do futuro. Caso contrário, ele nunca chega”, reforçou.
No entendimento do coordenador da Comissão Cieam de Logística, os órgãos responsáveis pelo monitoramento climático e hidrológico da região precisam de recursos e apoio estatal para realizarem seu trabalho. “Se o CPRM tivesse mais umas 200 réguas, teríamos uma precisão muito maior. Se o laboratório da UEA fizesse trabalho não apenas no rio Madeira, mas em todo o Amazonas, também teríamos uma precisão maior. E, se o professor da Ufam fosse ouvido pelo Dnit, teríamos obras muito mais baratas. Não precisamos de especialistas de Marte ou de Vênus, mas usar as instituições que já existem”, enfatizou, acrescentando que o custo seria “pequeno”.
“Abaixo da média”
O coordenador do Labclim (Laboratório de Modelagem do Sistema Climática Terrestre) e professor Associado UEA, Francis Wagner Silva Correia, tratou de previsões hidroclimáticas, com foco no rio Madeira – embora a instituição busque investimentos para expandir seu raio de ação. Ele informa que o laboratório realiza previsões desde o ano passado, dando apoio ao planejamento mediante a mudança climática, para segmentos como educação, produção industrial, transporte fluvial e agropecuária, entre outros.
“No nosso boletim, mostramos que a previsão de chuvas para a porção central da bacia amazônica é menos do que o esperado nos próximos três meses. isso deve impactar os rios Solimões, Madeira e Amazonas. O prognóstico para Humaitá e Manicoré é o rio ficar abaixo da média, em julho e agosto. Nossa esperança é que, a partir de junho e julho, a mudança do padrão El Niño para La Niña, gere mais chuvas no final do ano. Mas, por enquanto, o cenário não é muito bom”, alertou.
Responsável pelo SAH (Sistema de Alerta Hidrológico A pesquisadora), a pesquisadora em geociências do CPRM e professora do Ifam, Jussara Socorro Cury Maciel, falou dos dados mais recentes do boletim hidrológico semanal da região. Ela conta que o órgão monitora a bacia amazônica no Amazonas e Roraima e que próximo alerta de cheias, com divulgação prevista para 6 de junho deve usar os dados de maio para projetar o comportamento dos rios da região durante a seca.
“Nas principais estações monitoradas estamos em processo de elevação de níveis de rios. A subida tem sido pequena, mas regular. Tanto o Alto Rio Negro, quanto o Solimões. Em algumas estações, como a de Tabatinga, houve uma certa instabilidade, mas a subida também está em recuperação. O que está estabilizando é a região de Itacoatiara e Parintins, onde espera-se descida nas próximas semanas. Em Manaus, ainda temos enchente, provavelmente, até meados de junho. A partir daí, teremos o início da vazante”, finalizou.