Fundadora da Carbonext, uma das empresas que ganhou a licitação para desenvolver projetos de carbono em unidades de conservação no Amazonas, fala sobre os desafios do setor.

Lucas dos Santos

economia@acritica.com
22/06/2024 às 11:48.

Atualizado em 22/06/2024 às 11:48

Uma das empresas  vencedoras da licitação promovida pelo governo do Amazonas  para desenvolver projetos de carbono em unidades de conservação, a Carbonext projeta a produção de cerca de 500 mil créditos por ano nas duas concessões em que atuará, o que poderá gerar cerca de 7 milhões de dólares anuais. Para falar sobre esse mercado, que avança no país  como exigência do combate ao aquecimento global, sobre os desafios do setor e os ganhos para as comunidades envolvidas, A CRÍTICA entrevistou Janaina Dallan, fundadora da empresa.

 Como exatamente são gerados os créditos de carbono?

 A gente começa com uma análise de terras. Chega uma terra aqui do “Lucas”, o “Lucas” tem uma terra e fala “eu queria gerar crédito de carbono, eu estou pensando em não desmatar, eu tenho direito a 20% porque estou no bioma amazônico, mas eu não quero desmatar. Mas eu preciso de dinheiro pra defender a área, pagar imposto, pagar escola dos meus filhos”. Todo mundo precisa ter uma renda para sobreviver. Então você me manda essa terra, eu vou fazer uma diligência fundiária, vou ver se o seu título é real. A gente faz toda uma análise até o destaque do Estado, para quem passou, qual a cadeia que aconteceu até chegar no “Lucas”. De 42 milhões de áreas que a gente analisou aqui, 2 milhões viraram projeto. 40 milhões a gente já descartou por não ter toda essa segurança jurídica na terra, porque no Brasil você sabe que é um problema sério.

 No caso o crédito de carbono é como um certificado das terras que a pessoa tem?

 Não, ela faz parte para começar o projeto. Eu nem cheguei no crédito de carbono ainda. Eu estou só analisando se a área tem legalidade, só fazendo um diagnóstico antes de gerar o crédito. Vou analisar, vou ver se sua área está em conflito com alguma área pública, vou plotar no mapa, ver se ela tá em cima de floresta nacional, de reserva, etc. Se ela tiver, ela também não pode gerar crédito carbono. Tem todo um processo antes.

Se você passar nesses crivos e eu falar “Lucas, sua terra está certa, os seus documentos estão legais, vou fazer um diagnóstico”. Aí eu vou olhar tudo que tem dentro da sua terra e ao redor, quantas famílias tem lá, quantas comunidades existem, o que tem na região, se tem muita madeireira, se não tem, qual é o driver de desmatamento na região. Eu vou falar “na sua terra tem muita madeireira ao redor, tem muito desmatamento ilegal. Então a sua terra realmente precisa gerar crédito de carbono para você conseguir mantê-la. Eu pego todos os dados com esse diagnóstico na mão. Nossa equipe vai para campo, levanta tudo isso, eu escrevo um projeto.

Eu vou mostrar que você precisa desse crédito de carbono para manter sua área em pé. Colocar provas que é uma área que tem ameaça de desmatamento. Faço uma projeção de quanto você perde por ano. Exemplo: se você não fizer nada, vai perder dois hectares por ano. Esses dois hectares é o que eu gero de crédito de carbono na sua área. Ou seja, é a projeção de quanto você perderia se  não protegesse a sua área.

 E qual é o próximo passo?

 Eu escrevo esse projeto, boto ele para consulta pública. Ele vai para consulta pública em todos os sites, etc. Passando pela parte de consulta pública, eu começo as atividades do projeto.  Tudo que eu falei no projeto eu tenho que começar a colocar em prática. Por exemplo, a gente vai fazer um curso para as escolas da região sobre o que são mudanças climáticas, para começar a traçar essa mudança nessa região. A gente vai fazer um treinamento de combate a incêndio para os funcionários. Tudo que eu falei que eu ia fazer no projeto tem que começar a implementar. Inclusive monitorar a sua área.

Terminando o projeto, eu chamo uma auditoria de fora. São empresas credenciadas que vão lá auditar o projeto. Eles vão na sua fazenda, olham tudo que você está fazendo, veem se você está implementando atividades, se você está monitorando, se tem algum foco, se tem alguma invasão, fazem a auditoria, veem se o cálculo que eu fiz de quanto você perderia de área se ele está correto, se ele estiver correto, eles dão ok.

Aprovando o projeto, depois de um ano de monitoramento desse projeto, e eu mostrar que você, Lucas, não perdeu nada da sua área, que eu falei que você ia perder se não preservasse, se não combatesse esses agentes de desmatamento, aí eu emito crédito. Todo ano tem que monitorar a sua área, tem que mostrar que você não perdeu a floresta que você perderia e aí sim você emite o crédito.

 Então não é algo imediato para aquela população?

 Não é, ele demora. E as às vezes demora até dois anos para fazer todo esse processo, dependendo da região. Por exemplo, no Amazonas tem algumas regiões ali do edital que tem muita comunidade. A fase de diagnóstico que eu te mostrei aqui, pra eu fazer esse diagnóstico, vou demorar, sei lá, três meses, quatro meses, eu vou botar em toda minha equipe de campo, gastar R$ 5 milhões pra fazer esse diagnóstico, pra fazer todo esse processo aqui pra depois eu emitir crédito por ano e, aí sim, distribuir para a comunidade, ter toda a distribuição de co-benefícios, etc.

Fica um processo longo. Ele não é uma coisa imediata e não é qualquer área que tem crédito de carbono. Você precisa provar que a sua área tem ameaças de desmatamento. Se você tinha uma área lá na Cabeça do Cachorro, no Amazonas, que está longe do desmatamento, não tem ameaça. Eu não consigo provar que a sua fazenda lá ia perder dois hectares por ano. Ela não vai perder dois hectares por ano. Não tem ninguém chegando lá. Não é uma área apta a gerar crédito de carbono.

 Com quais projetos a Carbonext trabalha para poder realizar créditos de carbono? Você falou em não desmatamento, mas outras propostas da empresa?

 O nosso maior carro chefe aqui, por enquanto, ainda é a preservação. A gente tem alguns pilotos começando de reflorestamento de áreas degradadas, algumas áreas que a gente está analisando, e também de carbono no solo para agricultura, é um outro nicho que a gente acha bastante importante para a mudança da agricultura no Brasil, de como a gente pode ter uma agricultura mais eficiente.

 Quais são os principais desafios desse tipo de empreendimento aqui na região?

 Na região, a gente acha que, por exemplo, quando a gente vai implementar uma teoria da mudança de preservação ambiental, ela depende muito de inclusão social e produtiva. A gente entende que um dos grandes desafios na região é esse, que se a gente não faz a inclusão social e produtiva dessas comunidades que estão dentro do projeto ou ao redor do projeto, a gente não vai ter sucesso. Eles precisam estar junto conosco, porque muitas vezes tem comunidades ali que desmatam para sobrevivência, elas vendem madeira para sobreviver, então eles são, às vezes, agentes do desmatamento. Se a gente não fizer essa inclusão e der para eles alguma alternativa de renda, fica muito difícil a gente realmente conseguir sucesso no projeto.

 Como é que é o processo de concessão dessas áreas de proteção ambiental? Como a empresa faz junto aos governos?

 Esse aqui vai ser nosso primeiro. Esse é um modelo muito novo no Brasil. A gente nunca teve esse modelo de concessão para projetos de carbono. O estado fez o edital, colocou ali todos os critérios de empresas, de experiência. E aí a gente vai ter que seguir todo um cronograma.  Agora a próxima fase é de documentação. Eles vão nos chamar, os vencedores de cada área, para apresentar as documentações da empresa. A gente precisa provar todos os documentos, certidão negativa, toda aquela burocracia normal de editais. Depois dessa documentação, a gente vai partir para a fase de CLPI, que é esse diagnóstico, esse consentimento livre, prévio e informado.

A gente vai ter que ir para campo, fazer todo esse levantamento em campo dos nossos projetos, das áreas que a gente ganhou ali, a concessão, entender o que está acontecendo ali e depois desse consentimento livre breve informado, aí sim a gente vai iniciar o projeto em si, descrever o projeto e começar todo aquele processo ali que eu te mostrei naquela linha do tempo.

 Quais são mesmo as áreas de operação que vocês vão realizar aqui no Amazonas? Foram duas, não foram?

 As duas áreas que a gente tem é a APA [Área de Proteção Ambiental] do Rio Negro e a APA Caverna do Maroaga. A gente estima que essas áreas vão gerar 500 mil créditos por ano, as duas juntas, que vai trazer uma receita muito significativa para o Estado e para essas comunidades todas que estão nessas regiões. Na Rio Negro tem 202 famílias e na Maroaga tem 1.853 famílias. A gente tem uma prévia aqui do que a gente vai encontrar para fazer esse diagnóstico, esse CLPI que vai ser feito agora com todas essas famílias nessas duas áreas.

 Aqui no Amazonas vocês já trabalhavam com essa geração de crédito de carbono com indivíduos, sem ser com o governo?

 Sim, a gente tinha dois projetos no Amazonas.

 Quanto a Carbonext projeta movimentar no mercado de carbono nessas áreas de concessão?

 Nas nossas, a gente projeta esses 500 mil créditos por ano. A gente vende os nossos créditos, geralmente, de 10 a 14 dólares. Então se a gente pegar esses 500 mil e fizer esses 14 dólares dá 7 milhões de dólares por ano, só nos nossos projetos. As outras a gente precisa ver, porque depende muito do tamanho da área, em primeiro lugar, e de quanto ela está ameaçada de desmatamento para a gente saber a geração de crédito de carbono. Então não é a mesma coisa. Por exemplo, qualquer área vai gerar 250 mil toneladas de crédito? Não. Essas áreas, nesse pré-estudo que a gente fez, estimou-se essas 500 mil toneladas, gerando 7 milhões de dólares como um todo. Aí tem a repartição, tem a parte do Estado, a parte de co-benefícios e a parte da empresa.

 De que forma aqui no Amazonas essa atividade pode melhorar a vida das populações, principalmente das que ficam no entorno das áreas concedidas? investimento, geração de renda?

 Tudo que eu falei que a gente faz antes, essas ações estruturantes. Tem muito investimento. Às vezes chega a mais de R$ 5 milhões de investimento antes de gerar o crédito de carbono. O investimento é bem pesado pra você chegar naquela linha do tempo ali, até gerar o crédito de carbono. Então, sim, você tem que desembolsar muito, por exemplo, nessa fase de diagnóstico que a gente vai fazer.

O diagnóstico, às vezes, pode custar caro, dependendo desse lugar que tem quase duas mil famílias. Eu tenho que ter uma equipe inteira em campo durante quatro meses para fazer o diagnóstico e uma CLPI condizente com todas as leis. A gente geralmente segue a OIT 169, que é a lei internacional de CLPI. A gente tem um investimento muito alto, muitas vezes passa de R$ 4 a R$ 5 milhões para a gente conseguir chegar nesse diagnóstico. Você lembra que eu falei que a gente já começa a implementar essas ações estruturantes? Para quando o auditor chegar e ele saber que já está acontecendo,  a gente começa antes a fazer esse investimento.

 Qual a sua avaliação do projeto que está no Senado e regulamenta o mercado de carbono no Brasil?

 A gente entende que precisa, a gente precisa de um projeto no Brasil, porque nós somos signatários do Acordo de Paris. Temos uma obrigação de estar condizente com as nossas metas de redução, o Brasil tem metas de redução. Para isso, a gente precisa ter um mercado regulado no Brasil, a gente precisa ter essas emissões de todos os setores medidas e ter esses planos de diminuição de desmatamento. O projeto é essencial. Ele precisa acontecer, foi aprovado na Câmara no final do ano passado, 22 de dezembro, agora está em discussão no Senado e a gente espera que ele seja votado ainda nesse mês de junho, antes do segundo semestre, antes de todos os políticos saírem para as eleições municipais, porque aí vai ficar bastante complicado. Nosso esforço aqui é para que ele saia. A gente tem ajudado bastante nas discussões, nos pontos do projeto de lei que a gente entende que precisa de melhorias, para que isso aconteça mais rápido.

 O texto aprovado na Câmara deixou o agronegócio fora dessa questão, embora ele seja um dos maiores emissores de gases de efeito estufa. Foi um erro do Parlamento?

 Eu não sei se eu julgaria como um erro ou como um acerto. Eu entendo que foi uma pressão muito forte da bancada ruralista. Eles não quiseram entrar. Eles tomaram essa decisão por falta de dados, na minha opinião, porque o agro não sabe o quanto ele poderia gerar de diminuição de emissões no solo. A gente não tem essas medições. Quanto de carbono no solo a gente pode diminuir se a gente fizer um plantio direto completo, se a gente mudar as práticas agrícolas, colocar mais tecnologia, mudar a semente, a gente não tem esses dados. Eu acho que por não ter dados, deixou-se [o agro] de fora. Se eles entendessem que eles poderiam estar no mercado regulado, que paga 100 dólares a tonelada e que o agronegócio poderia gerar muito crédito de carbono, poderia ser ótimo para eles.

 Teve uma operação a Polícia Federal para coibir fraudes na geração de crédito de carbono que incluiu  a grilagem de terras. Esse tipo de crime traz prejuízos para a atividade, que ainda está em estágio inicial no Brasil?

 Traz sim, para o mercado como um todo. Se você tem crédito de carbono em uma terra grilada traz muito prejuízo, porque você está gerando crédito numa área que você nem poderia gerar, se ela for uma área pública, se ela for uma área que não é sua, aí sim, ela fere a imagem do mercado de carbono. Por isso que eu te falei que naquele processo inicial é muito importante ter certeza de que a terra é uma terra legal. Por isso que a Carbonext, por exemplo, já descartou 40 milhões de hectares por não ter certeza da legitimidade dessa terra. Então sim, traz muitos problemas para o mercado de carbono, mas por outro lado eu entendo que a gente está passando por um momento de qualidade e integridade. Então é bastante relevante que isso fique bem claro de que projetos assim não serão aceitos, não farão parte de um mercado íntegro e de qualidade.

Fonte: Acritica

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